Nada vai nos parar: lideranças femininas falam sobre RH e seu papel na equidade de gênero
Uma conversa sobre equidade de gênero, empoderamento feminino e desafios das mulheres no mercado de trabalho — e como o RH pode ser um parceiro estratégico nessa luta.
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Muito por conta do impacto da pandemia, as mulheres hoje são o grupo mais afetado pelo desemprego — é o maior número nos últimos 30 anos. Mas a disparidade entre gêneros não é um problema do mundo pandêmico. Pela entrada tardia no mercado de trabalho em uma estrutura social patriarcal, as mulheres sempre enfrentaram a desigualdade de gênero no ambiente corporativo.
As jornadas das mulheres, em comparação às dos homens, é maior. Existiu uma carga histórica carregada por gerações: a mulher cuida da casa e dos filhos, enquanto o homem trabalha fora e provém para o lar.
Mas os tempos são outros. Hoje, muitas mulheres não só continuam assumindo responsabilidades do lar, como conciliam uma jornada de trabalho e estudos.
E para reduzir a disparidade de gênero existente, é preciso de ações práticas e ativas que apoiem e incentivem mulheres no ambiente corporativo, em todos os cargos e posições.
Por isso, conversamos com três das líderes mais influentes no mercado de RH para entender como ser mulher influenciou em sua trajetória profissional até atingirem tais posições e ouvirmos sobre suas opiniões em relação o papel do RH na luta pela equidade de gênero.
Patricia Pugas, Diretora Executiva de Gestão de Pessoas no Magazine Luiza
Baiana, casada e mãe de três filhas, Patricia é formada em direito pela UFBA, possui MBA em gestão de pessoas pela FGV e hoje atua como Diretora Executiva de Gestão de Pessoas no Magazine Luiza.
Patricia apontou a grande influência que a Bahia e o feminino possuem na sua vida. Carrega em si o jeito baiano e animado de ser. Com cinco irmãs, uma mãe viúva e três filhas, cresceu e está sob constante influência de várias mulheres. Os traços da feminilidade, segundo ela, a ajudaram a se sobressair num mercado de trabalho majoritariamente masculino.
Se considera sortuda e abençoada, e é apaixonada pelo mundo corporativo quando há propósito envolvido. Sempre recebeu convites para trabalhar por onde passou e adora a energia do mundo corporativo. Ainda na área jurídica, começou a se aproximar do RH. “Jurídico de formação e RH de coração”, diz Patricia.
Chegou em São Paulo a convite e não muito depois se apaixonou pela proposta e propósito da Magalu. Patricia acredita que é tudo sobre gente. O que fazemos, como fazemos e para onde vamos: em todas as frentes pessoas são envolvidas e isso as torna ativo principal dentro de uma corporação.
“O traço de feminilidade sempre me ajudou. E isso é a habilidade, o carinho, fazer as coisas de um jeito mais especial. Confrontar de forma leve e muito mais construtiva.”
Mulheres no mercado de trabalho e seus desafios
Quando indagada sobre seus principais desafios por ser mulher no mercado de trabalho, Patricia brincou: “Não é que eles não apareceram, eu é que não dei bola para eles”. Ela reforça que investiu muito no fortalecimento de habilidades e qualidades “inerentes ao feminino”, classificados “como uma fraqueza”, que hoje são seus pontos fortes.
“Eu investi muito no que poderia ser considerado uma fraqueza: ser mulher. Investi nas habilidades e características que tenho por ser mulher, para fazer a diferença e a “compensação” que, em tese, poderia faltar pelo fato de eu não ser homem.”
Patricia conta que as empresas precisam de habilidades relacionadas às mulheres, como organização, habilidade relacional, multitarefa e entre outros.
Ainda falando de desafios, Patricia levanta um ponto em relação à estrutura social em que todas as mulheres estão inseridas. Ela lembra que existe, sim, uma jornada tripla e que parte das mulheres precisam conciliar tarefas domésticas, carreiras, casa e filhos. Para ela, é preciso quebrar essa estrutura e reconstruí-la de maneira mais igualitária.
“Existe uma barreira forte que é estrutural. Muito evoluiu, mas no fim, quem cuida dos filhos e da casa é a mulher. Essas questões ainda são um peso muito grande para mulher e exigem uma energia e uma entrega adicional.”
Como o RH pode ajudar e conselho para a Patricia do passado
Perante os desafios enfrentados no mercado de trabalho, Patricia abordou a participação do RH na equidade de gênero. Para ela, é preciso que as barreiras estruturais sejam reduzidas e que ações para que “a mulher possa ser mulher sem peso emocional” existam.
“Existe a parte prática que precisa ser eliminada, como a não contratação de mulheres que pretendem engravidar. Mas, também, a parte emocional: como dar conforto para que a mulher possa engravidar, ou cuidar de seus filhos quando necessário, sem culpa e se sentindo segura.”
Ou seja, enquanto houver barreiras, desigualdade e desafios estruturais que afetam as mulheres, ações que fomentem a equidade de gênero no mercado são necessárias. E, também, dar suporte com políticas que ajudem no equilíbrio entre vida pessoal e profissional.
Patricia apresenta o cenário do Magazine Luiza, em que 50% do quadro de pessoas colaboradoras são mulheres e em que 30% dos cargos de liderança são femininos e comenta que políticas que zelam pelo aumento dessas proporções precisam existir até que um cenário igualitário mais orgânico se estabeleça. Cita Luiza Helena Trajano ao dizer que: “Cotas é um mecanismo transitório para corrigir distorções”.
Patricia finaliza com um conselho de ouro para as mulheres:
“Todos os dias eu acordo e me dou o mesmo conselho: faça o melhor que puder, sempre, onde quer que você esteja, e não carregue peso. A única certeza que tenho na vida é que posso fazer o melhor que consigo: como mãe, mulher, profissional, irmã e amiga.”
Fernanda Burin, Superintendente Executiva de RH no Bradesco
Foi ensinando inglês e espanhol que Fernanda Burin entrou no mercado de trabalho. Desde cedo ajudou seus pais no comércio e em 2008 começou no mercado financeiro como trainee na ABN AMRO Brasil. Passou por empresas como Santander, Unilever e Teleperformance até chegar no Bradesco.
E foi no mercado financeiro que Fernanda percebeu, pela primeira vez, que estava em um setor masculino — era uma das poucas mulheres no andar.
O desafio começa cedo, logo na estrutura familiar. Fernanda acredita que a fomentação da ideia de que existe “emprego para mulher e para homem” prejudica que mulheres, no futuro, invistam em carreiras mais técnicas e da tecnologia. O histórico de formação, muitas vezes, não estimula experiências que poderiam estimular carreiras em um setor majoritariamente masculino.
Agora no setor financeiro, Fernanda enxerga uma preocupação maior em como criar e garantir canais de entrada com programas e ações afirmativas para mulheres no mercado de trabalho.
“É importante que existam ações afirmativas para fazer com que as mulheres se sintam mais empoderadas, mais livres e confortáveis, esse é o primeiro pilar. O segundo é ter mulheres no cargo de liderança, hoje, por exemplo, temos quatro mulheres como diretoras de tecnologia no Bradesco.”
O papel das empresas na busca pela equidade
Fernanda acredita que todas as empresas devem buscar a equidade de gênero no ambiente corporativo. E isso pode ser feito com a criação de grupos de afinidade onde mulheres podem compartilhar, de forma segura, seus desafios, medos e conquistas. Um programa de liderança feminina, mentoria interna e auxílio no desenvolvimento de carreiras.
Também é preciso rever a cultura da organização e entender se beneficia mulheres e se existem pensamentos ou atitudes que podem ser barreiras. É preciso, também, testar mais e avançar nos projetos de treinamento e de contratação de mulheres.
Segundo Fernanda, no Bradesco já existem grupos de afinidades e mentorias para desenvolvimento de carreira, frentes muito importantes e que já demonstram resultados positivos.
E não menos relevante, é necessário que as empresas deixem para trás os prejulgamentos que interferem na carreira de mulheres. Perguntar sobre filhos ou presumir que não teria disponibilidade para projetos por conta de questões tidas como “femininas”, são microagressões que prejudicam a carreira de uma mulher.
Conselho para mulheres que buscam cargos de liderança
O mercado de trabalho é reflexo da sociedade, e a nossa sociedade ainda carrega estruturas patriarcais e que prejudicam o desenvolvimento de mulheres em seus cargos e posições.
É conhecido que as mulheres, por motivos como estrutura social e reforços negativos, sofrem mais de síndrome da impostora do que homens. Esses reforços estão presentes na mídia, escolas, trabalhos, família… E se tornam uma barreira que impede que muitas mulheres progridam na carreira e alcem voos mais altos.
Fernanda acredita que essa síndrome é um dos principais desafios enfrentados por mulheres no mercado de trabalho. A segunda barreira são ambientes na sociedade e seus estereótipos que carregam e reforçam, e que obrigam as mulheres a se encaixarem em moldes limitadores.
Diante disso, a Fernanda deixou como conselho o autoconhecimento, equilíbrio e segurança.
“O autoconhecimento é uma ferramenta poderosa e que mais abriu portas para mim. Essa compreensão vai muito além de habilidades, é entender o “que você não abre mão” e quais valores são inegociáveis para você.”
Alexandra Oppermann, Gerente Corporativo de RH Corporate no WEG Group
Com formação jurídica, Alexandra considera um presente trabalhar no RH. Iniciou sua jornada profissional na área Jurídica corporativa da WEG onde por 6 anos liderou a equipe de relações Trabalhistas e Sindicais, nos últimos 4 anos o mais recente desafio: gerenciar o time de Recursos Humanos, completando em 2022, 20 anos nessa gigante do ramo industrial.
Para Alexandra as conquistas na carreira estão intimamente vinculadas ao valor gerado para a companhia. As entregas e resultados, ao fim, mostrarão o valor da mulher como profissional.
Contudo, é preciso reconhecer que o meio corporativo pode ainda ser ou estar inseguro em relação à liderança feminina, por este motivo, enquanto mulher, é preciso ter resiliência e buscar em seus próprios instintos a melhor forma de desmistificar algumas premissas que acabam atuando como obstáculos na carreira. Para Alexandra não existe obstáculo intransponível.
Empresas, equidade de gênero e como o RH pode ajudar
Com olhar positivo, o tema da diversidade e inclusão finalmente é discutido nos últimos anos, e falar sobre diversidade é apenas a primeira etapa que unirá “o discurso à pratica”. Alexandra vê que, principalmente para o RH, o tema é de muita importância, gera resultado, valor agregado e possui aceitação das pessoas, mas o grande desafio está na definição da estratégia e principalmente na sua execução.
“Já reconhecemos que um ambiente diverso gera valor, não se discute mais isso, agora, neste caminho precisamos retirar as travas existentes entre a intenção e a ação e este movimento deve ser da forma mais natural possível.”
O desafio, então, está em retirar as ideias do papel, começando por igualar as oportunidades.
Crenças, premissas e pensamentos não se transformam do dia para a noite, mas movimentos de mudança bem estruturados e perseverantes podem ter sucesso quando conversam com a própria estratégia do negócio, somente assim é possível ter o comprometimento necessário, de todos os níveis, para o atingimento dos objetivos.
Um passo importante é a construção de um plano com o intuito de desenvolver profissionais mulheres e contratar com maior diversidade.
“Não vamos dormir e acordar no dia seguinte em um ambiente diverso e não haverá sucesso se for algo forçado. A questão começa em igualar as oportunidades, esta é a primeira ação. Se a empresa tem um plano de desenvolvimento, o RH pode ajudar que pessoas de grupos diversos façam parte.”
Para Alexandra, o papel do RH é coordenar a estratégia e executar o plano. Campanhas de conscientização são importantes, mas não o suficiente para mudar o cenário. Além disso, o RH deve também apoiar no desenvolvimento de planos de sucessão, atuando como agente técnico provedor de diversidade neste processo, ou seja, “colocando a mão na massa” no momento de eleição dos talentos internos.
O ambiente corporativo deve ser diverso, sobretudo seguro e saudável
Alexandra nos contou que na Weg a comunicação interna e capacitação da liderança (com programas de capacitação) é muito trabalhada. Essa é uma forma que encontraram de criar um ambiente com pessoas preparadas e treinadas, tornando-as aliadas com a equidade de gênero.
Outro ponto é a discussão plural no ambiente de trabalho. Alexandra conta que acredita que seja necessário que todo mundo participe das discussões e que barreiras de gênero sejam quebradas.
Além disso, o desenvolvimento pessoal dentro da empresa serve como uma rede de apoio, acolhendo, desenvolvendo e capacitando profissionais da organização. Essa é uma ação fundamental para reter mais profissionais mulheres e, ao mesmo tempo, desenvolvê-las para novos cargos e posições.
Ao mesmo tempo, Alexandra reforça que o empoderamento feminino é essencial, e que ações e mudanças ativas devem, também, partir do movimento. “O que eu, como mulher, posso contribuir para a empresa estando dentro do movimento?”, pontua.
"As mulheres não podem se apagar, elas são as primeiras que devem se colocar no lugar onde querem estar e buscar esse lugar, de forma inteligente."
A mulher deve reconhecer o seu valor e acreditar verdadeiramente na sua capacidade de conquistar a carreira a qual pretende trilhar. Neste aspecto é preciso se perceber e se afastar de qualquer pensamento de autodesvalorização e desmerecimento.
Nesse sentido, o apoio do RH , dito pela Alexandra é de utilidade para diminuir sentimentos negativos e que interferem no avanço da carreira profissional de muitas mulheres.
Para finalizar, Alexandra fechou com conselhos:
“São muitas ações possíveis, mas uma que devemos assumir para nós é de não ter medo de reconhecer e mostrar o seu valor e assumir desafios sem pensar que somos incapazes de entregar, porque somos! Outra ação é ter mais ousadia: ao expressar seu olhar sobre os fatos e nas pretensões, assumindo assim o protagonismo sobre sua própria carreira.”
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